quarta-feira, 30 de junho de 2010

Nunca corra de um basset!

Pequeno pimpolho, na época em que meus cabelos eram lisos como de um índio.
Brincalhão, serelepe, numa noite na casa de minha avó, todos os familiares estavam reunidos, e eu, ovelha negra desgarrada, ficava atazanando uma pobre basset denominada Elza.
Pois bem, dado momento, a pequena figura dos cabelos negros e lisos, pôs-se a correr da cadela que o perseguia: fuga insana, desembestada, mas não desenfreada, pois bastou o muro texturizado para detê-lo.

Ai, minha testa.

Sequer chorei, como um elástico, bati e voltei, caindo sentado no chão!
Sem problemas, a não ser para a minha mãe que viu seu filho melecado em líquido vermelho.
Resultado: 3 pontos!
É, caro leitor, vamos analisar a situação:
Você vê um pentelho saltitante, correndo de um basset (miniatura de cachorro) na direção de uma parede...!

O lado bom dessa queimação de filme é que ganhei uma cicatriz quase parecida com a do Harry Potter! Se é que isso é legal...!

Enfim, entre bruxos e muros... quem me deu a cicatriz foi uma minúscula basset!
Mas vale ressaltar que ela cuspia fogo... e tinha 15 patas... e duas cabeças e meia... e parecia o Justin Bieber!


André Lorenz

Praga de Pai

Num belo fim de tarde, quando eu ainda era uma pequerrucha menina, resolvi andar de patinete pelas ruas do meu bairro. Como eu era uma criança, tinha que pedir permissão ao meu pai para andar de patinete, e como um bom contrariador de filhos ele me disse "Não". Não não não e não. Eu insisti muitas vezes e ele sempre convicto da sua negativa resposta. Acho que não faz sentido nenhum, porque eu apenas ia andar de patinete e eu não via mal algum nisso, mas. Ele não me deixou andar e então falei que eu ia, mesmo ele não deixando, como boa teimosa que eu era ( ou sou ainda). Rebelde sem causa, peguei meu lindo patinete com rodinhas de gel e a lixa escrita NO VACA ( que eu adorava tanto) e fui para as ruas ser feliz.
Deslizava por entre o asfalto, linda e contente, um tanto com a consciência pesada, mas o que importava? Nada de mal me aconteceria. Dois, três quarteirões até chegar a uma leve descida. Virei a rua e um carro vinha na minha direção oposta. Eis que do nada, como todas as coisas acontecem, o carro quase me pegou e eu fiz um desvio malandro até me esborrachar com o joelho no chão. Lindamente caída no asfalto. Levantei depressa. O joelho todo esfolado.
Voltei mancando pra casa, toda desinchavida, entrei correndo, escondida do meu pai, pra tomar banho e esconder o machucado. Eu mancava de dor. Tomei banho e enfiei um algodão no machucado ( sim, eu fiz isso) e ele me perguntou o que tinha acontecido, eu falei que não era nada e sorria e acenava. O algodão grudou no meu machucado e não havia o que tirasse no outro dia. Fiquei umas duas semanas com a ferida aberta. Não lembro exactamente o que ele havia me falado depois, mas sempre que olho meu joelho, que guarda alguns restos mortais desse dia, lembro do meu pai e da minha desobediência, e rio um pouco por essas coisas.
Pois é, não só praga de mãe, mas como de pai, também pega.

Cássia Oliveira

terça-feira, 29 de junho de 2010

Carta a Uma Amiga

Para minha querida amiga,

Queria Ana, eu sei, eu entendo a sua dor, mas olha, todos temos cicatrizes, e isso não faz de ninguém vítima da vida, só podemos dizer que somos vítimas (penso eu) do destino, que sopra o vento sem que possamos segurar a página e terminar de escrever.

E olha, eu acho que essa dor não passa, não estou querendo te desanimar, pelo contrário, eu queria que você se reerguesse, e pensasse com carinho, no que vou dizer: A vida, ela vai continuar, ela não vai te ver como vítima, ela te deu a oportunidade estar aqui, de continuar sendo ferido, e ferindo, e isso definitivamente é a maior prova de que não se deve jogar fora nenhum minuto sequer com magoa e rancor, não temos tempo para pensar.

Eu sei, te magoaram e é difícil pra você, é pra qualquer um. E então vai ser assim, eu vou dizer sem fantasiar as palavras..

O que foi? Tá com medo de amar é? Covarde!

Todo esse ódio, esse rancor e essa mágoa, é amor, você sabe que é! Mas tua covardia o impede de dizer isso, de sentir isso, você tem medo das cicatrizes, você nunca vai ser feliz!

Eu sei, agora eu tô falando com todas as letras, sem entrelinhas dói não é? E tem mais, você vai dizer que precisa ir, que já está tarde.

Eu sei de cada passo seu, eu conheço como a palma da minha mão essa covardia que te consome, que te come por dentro! Mas vou te dizer, antes que você parta, eu preciso dizer: Você não pode escapar do amor, do carinho que as pessoas sentem por você, e você também não pode escapar das feridas que elas provocarão! E quer saber mais, eu acho que o teu egoísmo é quem vai te fazer ficar só, naquela casa gelada, e quando não restar mais nada, você se lembrará do que eu te disse, minhas palavras vão ficar batendo de um lado para o outro na sua cabeça parecendo um dardo perfurando o seu conceito sobre as relações entre pessoas.

E o sangue que jorrará, será viscoso, denso, destruindo os seus conceitos, isso vai te torturar um tanto, vai deixar cicatrizes também, mas será o fertilizante de novos ideais, você começará a entender o que eu te disse com carinho, o que eu tentei te explicar com todo afeto, vão brotar coisas boas da sua cabeça, você vai sentir a grande diferença entre ter cicatrizes, e ter cicatrizes que te mostrem que algo mudou.

E terás vontade de me procurar -eu desejei tanto que isso acontecesse- para me dizer que eu tinha razão, ou que eu não tinha razão, que eu disse coisas sobre você, que eu não sabia, mas que você também pensou que eram assim, e agora pode ver com mais clareza que você não é aquela coisa estereotipada, e cheia de dor, você também tinha vida ai dentro. Eu vou ver o seu sorriso, e vou pensar; Que bom, doeu tanto olhar nos seus olhos e dizer todas aquelas coisas, que eu sei, de tão grosseiras, chegam a machucar o ouvido, mas que precisavam serem ditas, e serem ditas por mim, que gosto tanto de você, e que me sinto no dever de te mostrar que você pode ser feliz ainda, mesmo com cicatrizes. Você sabe tão bem quanto eu que só eu poderia te ferir com tanto carinho.
 
Mariana Segura

sábado, 19 de junho de 2010

A água-viva, o aniversário e a memória

Era inverno, mas estávamos na praia. Salvador, Bahia. Eu caminhava com meu pai na beira do mar, por volta das dez da manhã do dia do meu aniversário de dezesseis anos. Fitei a linha distante do limite azul e indefinido entre o oceano e o céu. Ia chamar o meu pai, que andava um pouco adiante, para comentar a beleza do dia quando senti uma agulhada intensa no pé esquerdo. Olhei rapidamente para a região que doía, não havia nada. Gritei de dor e chamei o meu pai. Ele não me ouviu.

A dor se espalhou rapidamente, apesar da ausência de qualquer evidência visual sobre a origem dessa sensação. Meu instinto foi o de correr para o chuveiro que ficava perto de um dos quiosques e ali encontrar alívio para a dor com a água corrente. Apressei-me para chegar ao meu destino, desviando com dificuldade de guarda-chuvas, toalhas e castelinhos de areia de outros turistas. Abri as torneiras com pressa e o contato da água com a minha pele foi, de início, um alívio. Aos poucos, contudo, a aparência do meu pé, até então normal, começou a mudar.

Manchas vermelhas dispersas, ligeiramente salientes, apareceram em torno do calcanhar e do peito do pé. Assustados, meus pais apareceram e me interpelaram, aflitos, sobre a causa daquelas queimaduras. Respondi com uma interjeição de dor, quando o alívio momentâneo causado pela água do chuveiro foi substituído pelo ressurgimento, ainda mais vigoroso, do ardor inicial. Agora com o agravante da imagem, nada reconfortante, do meu pé crivado de manchas rubras.

Um vendedor de cocos se aproximou e olhou para mim e para as queimaduras, acenando a cabeça com uma expressão de compreensão. “Isso aí é água-viva”, diagnosticou. Respondi com um sorriso incrédulo. “Mas eu estava bem na beirinha da água, e não tinha nada nos meus pés quando senti”, expliquei. O homem deu de ombros, dizendo que aquilo era a aparência típica desse tipo de ferimento. “E tem mais, você não devia ter molhado o pé. Piora se você põe água”.

Perguntamos qual seria o melhor método então. O vendedor nos indicou uma farmácia próxima que vendia uma determinada pomada. Dentro de alguns minutos, meu pai voltava com o medicamento. A dor ia passando gradativamente, mas as manchas vermelhas ganhavam um aspecto mais e mais desagradável.

A queimadura tinha sido, afinal, o meu irônico presente de aniversário. Mais que a dor em si, eram as marcas no meu pé que me impressionavam. Não acredito em signos do zodíaco, mas não pude deixar de fazer a associação entre o fato de eu pertencer a um “signo aquático”, Câncer, e de ter sido tocada por uma água-viva justamente no dia em que nasci. O mais insólito é que essa ocorrência ficou gravada na minha memória não como um episódio negativo. Pelo contrário. Agora posso dizer aos meus conhecidos e amigos que já fui picada por uma água-viva, mas com o benefício de não ter havido conseqüências graves. Trata-se de uma experiência a mais que posso dizer que já tive, uma a mais que posso contar para quem me conhece, uma a mais que faz parte de quem eu sou - ou de quem me tornei, correndo o perigo que é viver.

(Claudia Gasparini)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O Projeto Cicatrizes

O Projeto Cicatrizes é um Projeto de Meta-texto, surgido durante um trabalho de faculdade, para o curso de Novas Mídias e o Texto Eletrônico Digital ministrado pelo Professor Artur Matuck da Eca-USP.
O conceito de meta-texto é criação em estágios de um texto, onde há o meta-autor e o autor. " O meta-texto atua como gerador, determinador do segundo, o texto, propriamente dito, que atualiza o meta-texto, realizando o projeto iniciado", no caso, este.
Cicatrizes tem como objetivo, recolher textos e fotografias de marcas pessoais, criando, assim, um corpo de cicatrizes, um todo constituído por partes individuais, por histórias e marcas que nunca esqueceremos e que permanecerão conosco pela vida. Um projeto criado por todos, com histórias universais ou histórias particulares. 
E é com esse intuito que crio o blog e dou início ao Projeto Cicatrizes.

Marcas que "não chegam a nos matar, mas nos marcam eternamente".


Cássia Oliveira
meta-autora



Para colaborar com o blog sendo autor e receber um convite de participação, mande um e-mail para projeto.cicratizes@gmail.com ,  identificando-se.